Campanha Outubro Rosa estimula a se informar sobre a doença e participar das decisões

Diagnosticada com câncer de mama, a inglesa Kathleen Thompson questionou o local da radiação indicado pelo médico que a acompanharia.

Por também ser médica, a paciente sabia que poderia haver algo errado, mas o doutor só cedeu à interferência dela na véspera do procedimento. A aflição a que passou incentivou-a a escrever o livro Dos dois lados do estetoscópio (From both ends of the stethoscope no título original, sem edição no Brasil) a fim de encorajar outras mulheres a assumirem as rédeas dos próprios diagnósticos e tratamentos junto ao acompanhamento médico. Esse também é o objetivo da campanha Outubro Rosa em 2017 a partir do lema Pacientes no controle — Atitude exige coragem, que alerta para a projeção do Instituto Nacional do Câncer (Inca) de 60 mil novos casos da doença no Brasil somente neste ano.

Sem formação em saúde ou biologia, a juíza Simone Fortes teve postura proativa semelhante em Florianópolis. Superou há um ano o trauma do diagnóstico, que indicou um tumor na mama, no momento em que passou a buscar informações sobre a condição de saúde que a afetava. A começar pelo tipo de câncer, possibilidade de hereditariedade, esquema e início de tratamento. Levou a própria pesquisa ao consultório médico para compartilhar com quem tem conhecimento técnico.

— Sou conhecida como o terror dos médicos. Como é o nosso corpo, a decisão tem que ser muito bem informada. Cada passo do tratamento merece discussão para que eu saiba da eficácia e, consequentemente, me sinta confortável em relação ao estilo de vida e aos efeitos colaterais que se impõem — relata a paciente.

Simone ainda destaca que há uma tendência da classe em infantilizar os pacientes, principalmente os oncológicos, que podem estar fragilizados psicologicamente.

— O diagnóstico te impacta, mas também pode te movimentar para buscar a melhor saída – completa.

Empoderar-se do próprio tratamento e buscar também estar bem informada sobre a doença não se trata de retirar informações do “doutor Google”, mas de canais confiáveis, como o site do Instituto Nacional do Câncer, da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama e do científico PubMed. A partir de um diálogo embasado, há um estreitamento na relação entre médico e paciente quando o mesmo imerge no assunto, até que não existam mais dúvidas, nem imposições. Simone, por exemplo, solicitava artigos científicos de cada abordagem discutida em consultório. Na consulta seguinte, ela voltava decidida por determinada opção.

— Os médicos acharam positivo, mas demandava tempo, porque conversávamos muito, já que eu tinha muitas dúvidas técnicas. No fundo, é uma responsabilidade dividida que também os agrada — sugere.

A presidente da Associação Brasileira de Portadores de Câncer (Amucc), Leoni Margarida Simm, também orienta que as mulheres com câncer de mama devem se tornar co-pilotas dos tratamentos. Não só na rede privada, mas principalmente no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

— Na medida em que ela não entrega todas as decisões ao médico, ela também é o sujeito do tratamento. Não é apenas o objeto da discussão. Então, ela vai ter que tomar algumas decisões. A gente tem incentivado cada paciente a saber qual é o medicamento que ela está tomando e se está atualizado. Ela tem que conhecer todos os detalhes do próprio corpo, da doença e as opções de tratamento. Esse é um processo longo, mas fundamental para a qualidade de vida — comenta.

O incentivo à busca por informações acerca da própria condição de saúde de uma paciente não deve sobrepor a reação de um diagnóstico. É o que defende a psicóloga clínica Márcia Nogueira, que recomenda a proatividade da pessoa com câncer, mas salienta que inicialmente deve haver respeito, empatia e acolhimento em torno daquele possível sofrimento.

— As pacientes estão despertando para o fato de que a informação e o conhecimento podem alterar situações. Tanto a tecnologia, com os novos procedimentos, por exemplo, quanto o acompanhamento psicológico, que interfere positivamente no tratamento e na condição física da mulher com câncer de mama — indica.

Código de ética médica estimula respeito à autonomia do paciente

Ao discutir como vão tratar uma doença, a estrutura da relação entre médico e paciente é alterada de forma substancial. Por anos a fio, restava à pessoa leiga cumprir o que determinava o profissional. Mas não era difícil encontrar pacientes descontentes com a orientação. Em 2010, o Código de Ética Médica passou a prever o respeito à autonomia do paciente, conforme explica o presidente da Associação Catarinense de Medicina (ACM), Rafael Klee de Vasconcellos.

— Devemos informar e decidir em conjunto. Junto, e não à revelia da decisão do paciente. Quem não trabalha dessa forma, está praticamente fadado a não trabalhar mais no futuro. A realidade coloca que o médico é um profissional que vai conseguir dar as explicações que a pessoa já buscou, ou seja, vai conseguir explicar para o paciente qual é o melhor caminho a seguir — destaca.

Na fase final do tratamento e prestes a analisar a possibilidade de encarar a hormonoterapia, Simone Fortes recomenda que os médicos estimulem os pacientes na busca por informações de qualidade.

— Fundamentalmente, dar a eles elementos para que tomem as melhores decisões individuais, de modo informado, não os infantilizando, mas partilhando informações, discutindo caminhos e dialogando abertamente — diz a juíza.

Esse comportamento, que ganha importância em procedimentos invasivos, como a retirada de uma mama, tem nome na universidade: decisão compartilhada. O processo leva em consideração os valores do paciente sem desafiar o entendimento de quem tem formação para interpretar exames ou recomendar medicação. Duas pesquisadoras da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos avaliaram 39 estudos sobre decisões médicas compartilhadas em diferentes áreas da medicina. Em 54% das pesquisas, as investigadoras encontraram melhorias, tais como redução de preocupações com a doença, de ansiedade após a consulta e de conflitos e dúvidas para tomar decisões. Aderência ao regime de medicamentos percorreu 37% dos levantamentos.

Atenta à tendência, a médica Halana Faria, que atua em Florianópolis, mas integra o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde de São Paulo, tem um Pequeno manual de sobrevivência a consultas ginecológicas. Publicado em seu blog, o texto estimula a insubordinação das mulheres frente aos profissionais obstetras.
por dentro dos direitos

Existem leis que garantem aos pacientes diagnosticados o direito a atendimento. Veja:
Os pacientes com câncer têm o direito de iniciar o tratamento pelo SUS até 60 dias após o diagnóstico (Lei n°12.732/12);

Esse prazo deve ser contado a partir da data do laudo patológico (exame) e não mais da data do registro no prontuário do paciente (primeira consulta após realização do exame), o que reduz o tempo de espera (Portaria nº 1.220/14);

Os pacientes do SUS têm também direito ao Serviço de Atenção Domiciliar, que será prestado na residência e com garantia de continuidade dos cuidados à saúde. Tal serviço só pode ser disponibilizado com expressa prescrição médica, autorização do paciente e dos familiares e inclui atendimento médico e de enfermeiro, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, entre outros necessários ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio;

Mulheres a partir de 40 anos têm direito à realização de mamografia gratuita pelo SUS

É direito do paciente solicitar uma segunda opinião médica, podendo trocar de profissional ou até de hospital;l É direito do paciente ter acesso ao seu prontuário médico;

Pacientes com câncer têm prioridades no julgamento de processos judiciais;

Pacientes incapazes de trabalhar têm direito a indenizações decorrentes de contratos de seguro de vida e aposentadoria privada, caso o contrato preveja indenização para diagnósticos de doenças;

Pacientes com câncer têm prioridade no recebimento de créditos judiciais contra o Estado.
Fonte: Ministério Público de Santa Catarina

Como se preparar para a consulta médica
Veja dicas de pacientes e médicos sobre o que fazer antes de ir ao consultório:

Procure informações sobre a sua doença baseadas na ciência. Não se deixe levar por conteúdos sem autoria. No lugar, procure artigos no PubMed, por exemplo;

Participe de grupos em redes sociais com pessoas que têm a mesma condição, mas seja criterioso;l Peça ao seu médico que lhe indique materiais de leitura sobre o tratamento da doença;

Vá acompanhado à consulta. Assim, essa pessoa pode te ajudar a lembrar de perguntar algum aspecto que você venha a esquecer;

Estabeleça diálogo aberto, franco e transparente com o seu médico. É interessante relatar o que você leu, mas sem querer saber mais do que ele;

Peça ajuda para desmistificar termos técnicos das leituras que você encontrou;

Enfrente a resistência que seu médico pode apresentar. Alguns profissionais estão cansados do Dr. Google, mas mostre que você buscou fontes confiáveis;

Não tenha receio em fazer o tanto de perguntas que julgar necessário. Explique ao profissional que não se trata de desconfiança, mas de necessidade de entender o diagnóstico e o tratamento, para na sequência seguir à risca as indicações dele;

Discutam mais de uma opção de tratamento e escolha a que mais fizer sentido para o seu estilo de vida. Também considere os efeitos colaterais que podem estar associados;

Por mais confiança que você tiver no seu médico, não dispense uma segunda opinião de outro profissional.

Fonte: http://dc.clicrbs.com.br

 

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